9 de maio de 2009

sinto
tão
o
que
sinto

5 comentários:

RUBENS GUILHERME PESENTI disse...

nossa, me vei à cabeça o cummings e ou seu 1 folha cai...
beijos.

tem o Q de tristeza lírica. belo!!!

Carmem Salazar disse...

Rubens, obrigada por me apresentar o lindo "loneliness" do Cummings... eu não o conhecia e fui pesquisar, então encontrei esse texto do Amir Cadôr em que ele analisa o poema, maravilhosamente bem:

Cummings

Amir Brito Cadôr

.....O fascínio pela grafia da palavra acompanha a humanidade desde os seus primórdios, quando a letra ainda era um desenho. Depois da invenção de Gutenberg, o aspecto visual da escrita tem importância desconhecida no Ocidente, salvo os caligramas e os poemas figurados barrocos, a exceção que confirma a regra.
.....Na China, essa separação não existe, um bom poeta também é um pintor, um exímio calígrafo. Os poemas-pintura constituem um exemplo da relação primordial que existe entre a imagem e a escrita, imagem e texto integrados pela mesma mão, o mesmo instrumento que realiza o gesto.
Mallarmé, com o seu poema constelar, Un coup de dés, inaugura a espacialização do verso, o que configura um momento singular da palavra impressa. O uso de diferentes tipologias, negritos e itálicos, em maiúscula, minúscula, versal, letras com tamanhos diversos, enfim a tipografia é valorizada pelo seu conteúdo expressivo. Não é a mesma coisa escrever hasard e HASARD.
.....A fragmentação da frase contribui para realçar o sentido das palavras, o poema em seu arranjo tipográfico é a visualização do pensamento em movimento. Cada unidade do verso, pela sua disposição na página, é percebida enquanto imagem e palavra ao mesmo tempo.
.....O poema também é feito de pausas e silêncios. Cada frase ganha autonomia com o espaço branco da página. O vazio, conceito fundamental para a pintura chinesa, cria um entorno de novos significados para a palavra isolada.
Levando adiante a revolução tipográfica do francês fascinado pelos ideogramas, o poeta norte-americano e.e. cummings isola a letra, menor unidade de sentido, no poema "loneliness".


l(a

le
af
fa

ll

s)
one
l

iness

.....O sentido de individualidade é reforçado pela disposição das letras na página, uma ou duas em cada linha. Em uma linha, apenas a palavra "one". Em outra, o l isolado parece o número 1. A idéia de unicidade, presente no poema, é graficamente representada.
.....A folha, assim como a letra, é a menor unidade e por isso geralmente passa despercebida, pois olhamos o conjunto, a árvore, as palavras. Não poderia haver poema mais chinês que esse: o poeta associa sua solidão à folha que cai solitária, os dois, o poeta e a folha, têm a mesma importância, pois fazem parte do mesmo universo. Observe que "a palavra e a frase entre parênteses, que se opõem uma a outra como o conceito subjetivo (loneliness) e a imagem objetiva (a leaf falls), têm o mesmo número de letras" .
.....O poema é a iconização da queda de uma folha solitária em que o autor cria um movimento de leitura com a disposição das letras. A folha rodopia na inversão das letras "af" (final de leaf e início de falls); a letra "l" que aparece no início percorre o poema e aparece novamente na penúltima linha.
.....A verticalização dos versos é uma característica da poesia e da escrita oriental. Até mesmo a pintura de paisagem na China tem o formato vertical. Assim, cummings realiza seu poema-pintura, tornando-se o poeta chinês que almejara . Utiliza no lugar do pincel a tipografia e devolve a escrita ao seu lugar de imagem.

beijos

laerth motta disse...

Oi, publiquei algo pensando no que vejo aqui...vê lá e me diz...
beijos

AL-Chaer disse...

Queridos Carmem e Rubens,

"Ganhei o dia" (esta frase está entre aspas, pois é do Drummond).

Não fosse o comentário do Rubens e a consequente pesquisa e o fato de a Carmem tê-la compartilhado para todos nós, talvez eu passaria sem ter o privilégio de ler um texto tão significativo e "vital" para a poética e para a minha poética.

Hoje, aprendi mais um pouco sobre poesia e sobre a minha poesia.

Obrigado aos dois. Este nosso encontro via Internet, via nossos Blogs, realmente vale muito. E não tem preço o que enriquecemos uns aos outros, cada um com sua poesia, cada um com sua trajetória, cada um com sua visão, cada um com sua experiência.

Agora, deixemos o poema de Cummings e voltemos ao da Carmem: de uma simplicidade extrema, mas de uma profundidade aguda; visualmente, os versos vão diminuindo de tamanho até o "o"; depois se abrem novamente e se fecham no "só"...como numa uma apulheta a areia marca o tempo e o tempo do estreitamento até a passagem dolorosa pelo eu-lírico interior no menor espaço possível, que seria o auto-conhecimento; tudo é circular como é a marcação do tempo pela ampulheta, que tem que ser colocada de ponta-cabeça, para a nova marcação do tempo; mas o poema, também sugere uma leitura circular, que pode ser iniciada a partir de qualquer verso de cima para baixo e continuada no primeiro até chegar novamente ao verso inicial (façam a experiência!); depois, claro, fiz o exercício de baixo para cima, e obtive outros vários poemas dentro deste poema...

Daí, pensei numa instalação digital, com todos estes poemas dentro do poema aparecendo com os versos sendo apresentados nas várias sequencias possíveis...

É isso. Por enquanto.

Parabéns, Carmem !!!

AL-Braços
AL-Chaer

Carmem Salazar disse...

Querido AL

Ganhei eu, o dia, com teu rico comentário sobre tudo o que foi dito a partir do meu "só". Criei esse poema em 2001, na Oficina "Como ler e escrever poesia" com o escritor e profº porto alegrense Paulo Seben (vale a pena conferir seus poemas!), quando resolvi começar a "enfrentar" meus escritos e minha "ampulheta interior". AL, muito sensível o que dizes sobre ã relação com o tempo e as várias possibilidades de leitura em circularidades. Puxa, isso me ajudou muito a v(l)er -como diria Hugo Pontes - o que eu mesma escrevi, a encontrar a imagem do poema. A idéia da instalação digital é muito boa, traz as surpresas do sentir e contribui para o poema ganhar outra forma, algo que eu vinha buscando.
Quanto ao Rubens, é alguém muito especial aqui nesse blog: foi o primeiro poeta com quem efetivamente troquei palavras e inicialmente, a
partir dele, conheci muito sobre poesia e visuais em função dos contatos em seu blog.
* Vale ressaltar o blog Gramatologia (que descobri no POEMAPROCESSO, do nosso querido Moacy Cirne) - do Amir Cadôr - onde aprendo muito sobre a escrita e a palavra no contexto das Artes Visuais.

beijos pra ti e pro Rubens! é muito bom tê-los por aqui.