Texto de apresentação para o Encontro com a Poesia Visual
O que significa a palavra? Pra que serve a palavra? Trata-se apenas de um conjunto de morfemas, uma função semântica, uma unidade da linguagem falada ou escrita? Palavra cruzada, palavras de amor, palavra cantada, palavra encantada, palavrão, palavra palavra? O que existia antes da palavra, a voz, o silêncio? E antes do silêncio, o que existia?
Bem, a palavra possui muitas propriedades visuais. Que revelam um rompimento com a forma discursiva da sua origem. Uma tensão que nos leva a perceber sua dimensão plástica: técnica, volume, cor, espacialidade, dimensão, forma, repetição, poética e outros atributos mais. Um poema, necessariamente, não precisa ser lido. Em Mallarmè, por exemplo, podemos vê-lo dançando no espaço.
A palavra além da sua significação possui, também, uma condição matérica, substâncias sólidas como a "pedra no meio do caminho", de Drummond. Vejam como esse poema é pura imagem, informação de um símbolo, fenômeno de um código. Verbalmente, podemos levar essa mesma questão a outros grandes poetas como Ferreira Gullar e João Cabral de Mello Neto, que se preocuparam com a questão da sonoridade, repetição e espaço da palavra.
A palavra e a imagem são uma intersecção, uma intersecção, uma "rua de mão dupla" onde os signos, verbais ou não verbais, traçam uma linha muito tênue entre uma e outra, Então o que é Poesia Visual? É um produto plástico ou subproduto literário? Não há uma resposta exata.
Na Antiguidade, na obra "Odisséia", sequência de "Ilíada", de Homero, já podemos perceber a palavra como estrutura sigificativa para um rol de imagens. Nas culturas orientais, muito acentuadamente, vemos por meio da Caligrafia o status da imagem.
A palavra é escrita, mas também desenhada. E muitas vezes, por conta da educação fomal com que a aprendemos, não nos damos conta desta segunda propriedade que incita o nosso pulso. É por meio da caligrafia que podemos reconhecer a carta de alguém ou admirar a sua forma. A assinatura e os garranchos também são desenhos.
"Um poema pode ter forma, tal qual uma árvore tem". A palavra quando incorpora um corpo também incorpora as propriedades formais ou informais deste corpo. Podemos ver isto nos poemas objeto de Joan Brossa ou nas suas instalações e intervenções públicas, que trazem à tona as possibilidades de explorar o material e a matéria que a palavra possui. De edificar uma idéia plástica através da escrita.
A Poesia Concreta (70), baseada em princípios experimentalistas, nos mostra a atomização da palavra e a criação de outros significados: o aspecto gráfico da letra, da cor e da disposição reunindo artistas plásticos, músicos e poetas em torno da questão da leitura visual.
O teatro, por exemplo, é a "corporificação" da palavra. A palavra cênica, transitável. Quando o suporte da palavra deixa de ser o papel e vai pro vídeo ou pra performance, chegamos à ilimitada fronteira misteriosa da imaginação. Onde a linguagem é "destruída" para criar dificuldades, pelo menos maiores, de se arriscar. Artistas como Wally Salomão, Hélio Oiticica, Torquato Netto e, atualmente, Arnaldo Antunes, com livros de artista e experiências sonoras mostram o afrouxamento da impossibilidade. Vejam, por exemplo, as partituras para quem não sabe lê-las tal qual os músicos. Tornam-se signos visuais. Se pararmos para pensar, se não sabemos o que uma palavra significa, o que acontece? Ela volta a ser gráfica. por isso, insisto na idéia de que para compreender melhor a Poesia Visual, precisamos nos desvencilhar da educação formal. Para perceber a palavra como um fator também pictórico e não, tão sómente, oral ou linguístico.
A palavra é um elemento que possui elasticidade expressiva. Que pode usufruir de outra mídias para ser veiculada e recriada. Grupos como o "Chelpa Ferro" são exemplares nesse sentido, pois fazem shows de música e falam de poesia e pintura ao mesmo tempo. Temos, por exemplo, artistas como Leonilson e Myra Schendel, trabalhando com a questão espacial e representativa da palavra como imagem.
Por fim, o que posso dizer é que a palavra e a imagem não são duas coisas tão diferentes assim. E que mesmo que suas origens tenham sido, no decorrer do tempo, construídas de maneiras diferentes, ambas derivam-se no final.
Diego de Menezes Dourado é artista visual, escritor e poeta e é natural de São Luiz, Maranhão.