Rubens, obrigada por me apresentar o lindo "loneliness" do Cummings... eu não o conhecia e fui pesquisar, então encontrei esse texto do Amir Cadôr em que ele analisa o poema, maravilhosamente bem:
Cummings
Amir Brito Cadôr
.....O fascínio pela grafia da palavra acompanha a humanidade desde os seus primórdios, quando a letra ainda era um desenho. Depois da invenção de Gutenberg, o aspecto visual da escrita tem importância desconhecida no Ocidente, salvo os caligramas e os poemas figurados barrocos, a exceção que confirma a regra. .....Na China, essa separação não existe, um bom poeta também é um pintor, um exímio calígrafo. Os poemas-pintura constituem um exemplo da relação primordial que existe entre a imagem e a escrita, imagem e texto integrados pela mesma mão, o mesmo instrumento que realiza o gesto. Mallarmé, com o seu poema constelar, Un coup de dés, inaugura a espacialização do verso, o que configura um momento singular da palavra impressa. O uso de diferentes tipologias, negritos e itálicos, em maiúscula, minúscula, versal, letras com tamanhos diversos, enfim a tipografia é valorizada pelo seu conteúdo expressivo. Não é a mesma coisa escrever hasard e HASARD. .....A fragmentação da frase contribui para realçar o sentido das palavras, o poema em seu arranjo tipográfico é a visualização do pensamento em movimento. Cada unidade do verso, pela sua disposição na página, é percebida enquanto imagem e palavra ao mesmo tempo. .....O poema também é feito de pausas e silêncios. Cada frase ganha autonomia com o espaço branco da página. O vazio, conceito fundamental para a pintura chinesa, cria um entorno de novos significados para a palavra isolada. Levando adiante a revolução tipográfica do francês fascinado pelos ideogramas, o poeta norte-americano e.e. cummings isola a letra, menor unidade de sentido, no poema "loneliness".
l(a
le af fa
ll
s) one l
iness
.....O sentido de individualidade é reforçado pela disposição das letras na página, uma ou duas em cada linha. Em uma linha, apenas a palavra "one". Em outra, o l isolado parece o número 1. A idéia de unicidade, presente no poema, é graficamente representada. .....A folha, assim como a letra, é a menor unidade e por isso geralmente passa despercebida, pois olhamos o conjunto, a árvore, as palavras. Não poderia haver poema mais chinês que esse: o poeta associa sua solidão à folha que cai solitária, os dois, o poeta e a folha, têm a mesma importância, pois fazem parte do mesmo universo. Observe que "a palavra e a frase entre parênteses, que se opõem uma a outra como o conceito subjetivo (loneliness) e a imagem objetiva (a leaf falls), têm o mesmo número de letras" . .....O poema é a iconização da queda de uma folha solitária em que o autor cria um movimento de leitura com a disposição das letras. A folha rodopia na inversão das letras "af" (final de leaf e início de falls); a letra "l" que aparece no início percorre o poema e aparece novamente na penúltima linha. .....A verticalização dos versos é uma característica da poesia e da escrita oriental. Até mesmo a pintura de paisagem na China tem o formato vertical. Assim, cummings realiza seu poema-pintura, tornando-se o poeta chinês que almejara . Utiliza no lugar do pincel a tipografia e devolve a escrita ao seu lugar de imagem.
"Ganhei o dia" (esta frase está entre aspas, pois é do Drummond).
Não fosse o comentário do Rubens e a consequente pesquisa e o fato de a Carmem tê-la compartilhado para todos nós, talvez eu passaria sem ter o privilégio de ler um texto tão significativo e "vital" para a poética e para a minha poética.
Hoje, aprendi mais um pouco sobre poesia e sobre a minha poesia.
Obrigado aos dois. Este nosso encontro via Internet, via nossos Blogs, realmente vale muito. E não tem preço o que enriquecemos uns aos outros, cada um com sua poesia, cada um com sua trajetória, cada um com sua visão, cada um com sua experiência.
Agora, deixemos o poema de Cummings e voltemos ao da Carmem: de uma simplicidade extrema, mas de uma profundidade aguda; visualmente, os versos vão diminuindo de tamanho até o "o"; depois se abrem novamente e se fecham no "só"...como numa uma apulheta a areia marca o tempo e o tempo do estreitamento até a passagem dolorosa pelo eu-lírico interior no menor espaço possível, que seria o auto-conhecimento; tudo é circular como é a marcação do tempo pela ampulheta, que tem que ser colocada de ponta-cabeça, para a nova marcação do tempo; mas o poema, também sugere uma leitura circular, que pode ser iniciada a partir de qualquer verso de cima para baixo e continuada no primeiro até chegar novamente ao verso inicial (façam a experiência!); depois, claro, fiz o exercício de baixo para cima, e obtive outros vários poemas dentro deste poema...
Daí, pensei numa instalação digital, com todos estes poemas dentro do poema aparecendo com os versos sendo apresentados nas várias sequencias possíveis...
Ganhei eu, o dia, com teu rico comentário sobre tudo o que foi dito a partir do meu "só". Criei esse poema em 2001, na Oficina "Como ler e escrever poesia" com o escritor e profº porto alegrense Paulo Seben (vale a pena conferir seus poemas!), quando resolvi começar a "enfrentar" meus escritos e minha "ampulheta interior". AL, muito sensível o que dizes sobre ã relação com o tempo e as várias possibilidades de leitura em circularidades. Puxa, isso me ajudou muito a v(l)er -como diria Hugo Pontes - o que eu mesma escrevi, a encontrar a imagem do poema. A idéia da instalação digital é muito boa, traz as surpresas do sentir e contribui para o poema ganhar outra forma, algo que eu vinha buscando. Quanto ao Rubens, é alguém muito especial aqui nesse blog: foi o primeiro poeta com quem efetivamente troquei palavras e inicialmente, a partir dele, conheci muito sobre poesia e visuais em função dos contatos em seu blog. * Vale ressaltar o blog Gramatologia (que descobri no POEMAPROCESSO, do nosso querido Moacy Cirne) - do Amir Cadôr - onde aprendo muito sobre a escrita e a palavra no contexto das Artes Visuais.
beijos pra ti e pro Rubens! é muito bom tê-los por aqui.
5 comentários:
nossa, me vei à cabeça o cummings e ou seu 1 folha cai...
beijos.
tem o Q de tristeza lírica. belo!!!
Rubens, obrigada por me apresentar o lindo "loneliness" do Cummings... eu não o conhecia e fui pesquisar, então encontrei esse texto do Amir Cadôr em que ele analisa o poema, maravilhosamente bem:
Cummings
Amir Brito Cadôr
.....O fascínio pela grafia da palavra acompanha a humanidade desde os seus primórdios, quando a letra ainda era um desenho. Depois da invenção de Gutenberg, o aspecto visual da escrita tem importância desconhecida no Ocidente, salvo os caligramas e os poemas figurados barrocos, a exceção que confirma a regra.
.....Na China, essa separação não existe, um bom poeta também é um pintor, um exímio calígrafo. Os poemas-pintura constituem um exemplo da relação primordial que existe entre a imagem e a escrita, imagem e texto integrados pela mesma mão, o mesmo instrumento que realiza o gesto.
Mallarmé, com o seu poema constelar, Un coup de dés, inaugura a espacialização do verso, o que configura um momento singular da palavra impressa. O uso de diferentes tipologias, negritos e itálicos, em maiúscula, minúscula, versal, letras com tamanhos diversos, enfim a tipografia é valorizada pelo seu conteúdo expressivo. Não é a mesma coisa escrever hasard e HASARD.
.....A fragmentação da frase contribui para realçar o sentido das palavras, o poema em seu arranjo tipográfico é a visualização do pensamento em movimento. Cada unidade do verso, pela sua disposição na página, é percebida enquanto imagem e palavra ao mesmo tempo.
.....O poema também é feito de pausas e silêncios. Cada frase ganha autonomia com o espaço branco da página. O vazio, conceito fundamental para a pintura chinesa, cria um entorno de novos significados para a palavra isolada.
Levando adiante a revolução tipográfica do francês fascinado pelos ideogramas, o poeta norte-americano e.e. cummings isola a letra, menor unidade de sentido, no poema "loneliness".
l(a
le
af
fa
ll
s)
one
l
iness
.....O sentido de individualidade é reforçado pela disposição das letras na página, uma ou duas em cada linha. Em uma linha, apenas a palavra "one". Em outra, o l isolado parece o número 1. A idéia de unicidade, presente no poema, é graficamente representada.
.....A folha, assim como a letra, é a menor unidade e por isso geralmente passa despercebida, pois olhamos o conjunto, a árvore, as palavras. Não poderia haver poema mais chinês que esse: o poeta associa sua solidão à folha que cai solitária, os dois, o poeta e a folha, têm a mesma importância, pois fazem parte do mesmo universo. Observe que "a palavra e a frase entre parênteses, que se opõem uma a outra como o conceito subjetivo (loneliness) e a imagem objetiva (a leaf falls), têm o mesmo número de letras" .
.....O poema é a iconização da queda de uma folha solitária em que o autor cria um movimento de leitura com a disposição das letras. A folha rodopia na inversão das letras "af" (final de leaf e início de falls); a letra "l" que aparece no início percorre o poema e aparece novamente na penúltima linha.
.....A verticalização dos versos é uma característica da poesia e da escrita oriental. Até mesmo a pintura de paisagem na China tem o formato vertical. Assim, cummings realiza seu poema-pintura, tornando-se o poeta chinês que almejara . Utiliza no lugar do pincel a tipografia e devolve a escrita ao seu lugar de imagem.
beijos
Oi, publiquei algo pensando no que vejo aqui...vê lá e me diz...
beijos
Queridos Carmem e Rubens,
"Ganhei o dia" (esta frase está entre aspas, pois é do Drummond).
Não fosse o comentário do Rubens e a consequente pesquisa e o fato de a Carmem tê-la compartilhado para todos nós, talvez eu passaria sem ter o privilégio de ler um texto tão significativo e "vital" para a poética e para a minha poética.
Hoje, aprendi mais um pouco sobre poesia e sobre a minha poesia.
Obrigado aos dois. Este nosso encontro via Internet, via nossos Blogs, realmente vale muito. E não tem preço o que enriquecemos uns aos outros, cada um com sua poesia, cada um com sua trajetória, cada um com sua visão, cada um com sua experiência.
Agora, deixemos o poema de Cummings e voltemos ao da Carmem: de uma simplicidade extrema, mas de uma profundidade aguda; visualmente, os versos vão diminuindo de tamanho até o "o"; depois se abrem novamente e se fecham no "só"...como numa uma apulheta a areia marca o tempo e o tempo do estreitamento até a passagem dolorosa pelo eu-lírico interior no menor espaço possível, que seria o auto-conhecimento; tudo é circular como é a marcação do tempo pela ampulheta, que tem que ser colocada de ponta-cabeça, para a nova marcação do tempo; mas o poema, também sugere uma leitura circular, que pode ser iniciada a partir de qualquer verso de cima para baixo e continuada no primeiro até chegar novamente ao verso inicial (façam a experiência!); depois, claro, fiz o exercício de baixo para cima, e obtive outros vários poemas dentro deste poema...
Daí, pensei numa instalação digital, com todos estes poemas dentro do poema aparecendo com os versos sendo apresentados nas várias sequencias possíveis...
É isso. Por enquanto.
Parabéns, Carmem !!!
AL-Braços
AL-Chaer
Querido AL
Ganhei eu, o dia, com teu rico comentário sobre tudo o que foi dito a partir do meu "só". Criei esse poema em 2001, na Oficina "Como ler e escrever poesia" com o escritor e profº porto alegrense Paulo Seben (vale a pena conferir seus poemas!), quando resolvi começar a "enfrentar" meus escritos e minha "ampulheta interior". AL, muito sensível o que dizes sobre ã relação com o tempo e as várias possibilidades de leitura em circularidades. Puxa, isso me ajudou muito a v(l)er -como diria Hugo Pontes - o que eu mesma escrevi, a encontrar a imagem do poema. A idéia da instalação digital é muito boa, traz as surpresas do sentir e contribui para o poema ganhar outra forma, algo que eu vinha buscando.
Quanto ao Rubens, é alguém muito especial aqui nesse blog: foi o primeiro poeta com quem efetivamente troquei palavras e inicialmente, a
partir dele, conheci muito sobre poesia e visuais em função dos contatos em seu blog.
* Vale ressaltar o blog Gramatologia (que descobri no POEMAPROCESSO, do nosso querido Moacy Cirne) - do Amir Cadôr - onde aprendo muito sobre a escrita e a palavra no contexto das Artes Visuais.
beijos pra ti e pro Rubens! é muito bom tê-los por aqui.
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